“Transferência”, in catálogo da exposição “Transferência” de Aníbal Lemos, Espaço Adães Bermudes, Alvito

Transferência

No projeto “Transferência” Aníbal Lemos apresenta cinco séries de fotografias: Ceia (2017/2018), Angio (2017), Naturezas Mortas (2017), Europa (2012/2013) e Arqueologias (1998/1999), nas quais explora conceitos sobre os quais tem vindo a refletir desde que começou a fotografar na década de 70 - declínio/degradação de ideias ou objetos, a ruína, a passagem do tempo, a perda e a renovação.
Na série Naturezas Mortas, o autor regista as várias fases de degradação de materiais orgânicos (flores e laranjas). Aníbal Lemos pretende seriar o processo de declínio - cada imagem é o estádio anterior da seguinte.

Diretamente relacionada com a série Naturezas Mortas, Lemos apresenta a série Europa. Ainda que totalmente distintas em termos de expressão visual, ambas nos remetem para a ideia de degradação e declínio, num caso de “objetos orgânicos”, no outro de uma ideia, ou melhor de um ideal – o de Europa. Recorrendo a mapas desse território, o autor encena um processo de degradação.

Na série Ceia, o seu mais recente projeto, Aníbal Lemos, um pouco na esteira da dupla de fotógrafos Bernd e Hilla Becher, apresenta as suas “tipologias” – fotografias de vários exemplos (ou tipos) de cabeças de animais. Também aqui, à semelhança das séries Naturezas Mortas e Europa, trata-se de seriar, não o esgotamento de um objeto ou ideia/ideal mas a perda.

Arqueologias será talvez a série onde a ideia de ruína melhor se consubstancia. A ideia de abandono sente-se, por exemplo, na imagem do vidro partido. O recurso ao preto e branco reforça a ideia de nostalgia.

A série Angio foi realizada no âmbito de uma exposição comemorativa dos 90 anos sobre a realização da primeira angiografia por Egas Moniz. Visualmente, as fotografias desta série remetem-nos para essa técnica médica de auxílio de diagnóstico. Conceptualmente, estas imagens estão associadas à ideia de renovação (ou perpetuação).

Nos trabalhos que apresenta nesta exposição nada é o que parece ser: mais do que direcionar a sua pesquisa para questões exclusivamente formais, interessa a Aníbal Lemos concretizar obras que remetam para um leque variado de experiências, afastando-se, por esse motivo, de algo que é tão prezado em Fotografia – o referente. Entramos, portanto, no domínio da metáfora, que mais não é do que a transferência de significação entre ideias ou objetos.

Raquel Guerra
Abril de 2018