“Questionar o que foi. Afirmar o que é. Projetar o que será.”, in desdobrável da exposição “Poseidon's Wave of Mutilation”, de Fabrizio Matos, Sala 117, Porto.

Questionar o que foi. Afirmar o que é. Projetar o que será.

Na exposição Poseidon’s Wave of Mutilation Fabrizio Matos usa o desenho e a escultura como ferramentas operativas da sua pesquisa artística. Neste projeto, o artista aborda conceitos sobre os quais tem vindo a refletir, essencialmente, nos últimos dez anos do seu percurso: a memória e a nostalgia, o mistério e o velado, a camuflagem, o cataclismo e a ruína, o abandono e a degradação.

Nascido em Portugal, em 1975, Fabrizio Matos é filho de pai italiano, passando, por esse motivo, longos e regulares períodos em Itália. As estadias nesse país e o contacto com o seu imenso Património não poderiam deixar de influenciar o seu trabalho.
A evocação da Cultura Clássica é evidente nos trabalhos que apresenta neste projeto. Fabrizio Matos não cai, no entanto, num facilitismo de nos apresentar um registo mimético da Arte Clássica. O que foi procurado foi o encontro dos seus pressupostos artísticos com essa fonte de inspiração temática.
Assim, o artista constrói a exposição a partir das suas memórias da Arte Clássica fixadas num elenco variado de experiências e sensações: a visualização das obras na penumbra (é na sombra e na penumbra que o mistério se adensa); o recurso ao preto e branco (que reforça a ideia de nostalgia); a sua consciência de pertença (a uma determinada região de Itália).

As viagens à região de Puglia, mais especificamente a Taranto, foram determinantes na relação que o artista estabelece entre o passado e o presente. Taranto, que se crê ter sido fundada por Taras, filho de Poseidon, foi uma das cidades mais importantes da Magna Grécia. Taranto, cidade portuária e com uma indústria muito desenvolvida na área da fundição do aço e do ferro, sofre, no início do século XXI, as consequências de uma difícil conjuntura económica. A Taranto atual é (na perspetiva do artista) uma cidade condenada, uma cidade sem esperança (aparente).
É desta experiência, desta relação, entre o que a cidade foi e o que a cidade é que Fabrizio Matos nos fala, também, nesta exposição.
Taranto city of dust remete-nos imediatamente para esta relação entre o passado e o presente: por um lado, a gramática classicista (que F. Matos absorveu, também, no Museo Arqueológico de Taranto) , por outro, a saturação do desenho com o carvão coloca-nos perante a Taranto atual - uma cidade que se encontra literalmente coberta por um pó escuro, avermelhado, resultado da indústria da fundição.
O abandono e consequente degradação da região de Puglia, que a sua paisagem urbana denuncia, muito marcou o autor. Em muitas partes da região encontram-se verdadeiras lixeiras a céu aberto: pneus velhos, carcaças de carros, eletrodomésticos enferrujados. Toda esta degradação será documentada/questionada por Fabrizio Matos.

Mas as referências a estas dicotomias - passado/presente, degradação/inalterabilidade, velado/ostensivo - atravessam toda a exposição: o imponente Poseidon, um dos doze deuses do Olimpo da Grécia Antiga, é representado com vermes na parte inferior do corpo; uma subtil Quimera que se adivinha por entre densa vegetação; uma onda que se rebentasse destruiria a paisagem urbana; as pequenas esculturas que se apresentam sobre uma prancha de surf assente em pneus velhos.

Os desenhos (de grandes dimensões) que apresenta neste projeto convidam a uma descoberta lenta: a saturação do carvão (negro) sobre o papel torna difícil perceber de forma imediata os limites dos desenhos, que apresentados com pouca luz exigem do nosso olhar um período de habituação à penumbra.
As pequenas esculturas em plasticina preta são claramente inspiradas na escultura greco-romana, que o autor viu em vários museus de arqueologia de Itália. Imagens icónicas como as de Poseidon ou as de atletas (corredores) em movimento completam esta evocação à Cultura Clássica.

Fabrizio Matos apresenta-nos neste projeto um universo que se situa entre o passado e o presente onde a tensão entre o questionamento do que foi e a afirmação do que é constitui a razão concreta e operativa para projetar o que será.

Raquel Guerra
Abril 2019