“Olhos vivos e faro fino!”, in catálogo da exposição de Ção Pestana “Olhos Vivos”, Espaço Mira, Porto
Olhos vivos e faro fino!
A exposição “Olhos Vivos” começou a ser preparada há cerca de um ano e meio. Ela resulta de um longo e intenso diálogo entre artista e curadora. Quase semanalmente reuníamo-nos: Ção Pestana falava-me das suas ideias para esta exposição, mas também do trabalho que tem vindo a desenvolver desde que começou, no CAPC, no final dos anos 70.
A ideia para a primeira peça da exposição, que depois veio a ser a terceira a ser concretizada (Olhos vivos y), surge numa viagem que ambas fizemos. Durante o (sofrível) processo que antecede a entrada no avião, Ção Pestana desabafa: “Tenho que fazer uma peça sobre isto!”.
O controlo, o condicionamento e as restrições a que estamos sujeitos constantemente são questões sobre as quais Ção Pestana tem vindo a refletir.
A partir da ideia para essa primeira peça, que, mais tarde, se veio a concretizar na instalação Olhos vivos Y, Ção Pestana constrói toda a exposição.
Assim, em “Olhos Vivos” Ção Pestana apresenta quatro peças produzidas especificamente para o Espaço Mira: Olhos vivos (2017), Olhos vivos K (2018), ambas imagens digitais manipuladas, Olhos vivos Y (2018), instalação com bobines de madeira pintadas e leds e Olhos vivos W (2018), instalação vídeo-performance em tempo real, nas quais aborda alguns dos conceitos sobre os quais tem vindo a refletir desde que começou a trabalhar no final da década de 70 – denúncia do corpo público/corpo político, as relações de poder, a marginalização, o controlo.
Em “Olhos Vivos” Ção Pestana desenvolve um projeto onde questiona a perceção destes conceitos e a possibilidade da sua representação - isto é, mais do que direcionar a sua pesquisa para questões exclusivamente formais ou visuais, interessa-lhe concretizar obras que remetam para um leque variado de experiências e reflexões.
Como ferramentas operativas Ção Pestana utiliza a imagem manipulada (captada com telemóvel), a instalação, a performance e o vídeo. Estas ferramentas acompanham Pestana desde os primeiros trabalhos.
Como em muitos dos seus trabalhos anteriores, também nesta exposição os seus registos (fotográficos) são reconvertidos em novos registos (isto é, novas peças): por exemplo, Olhos vivos K. Nesta obra, a autora parte dos registos fotográficos que realizou da peça Olhos vivos Y, que depois de intervencionados dão lugar a este novo registo/peça. Este processo de trabalho é uma das mais vincadas características da obra de Ção Pestana.
A utilização do corpo na construção da obra de arte é, talvez, a característica que mais se destaca no trabalho de Ção Pestana. Em Olhos vivos, a primeira obra da exposição e que lhe dá o título, a autora parte de uma imagem sua, que depois de manipulada é repetida até à exaustão. Apenas nos apercebemos que se trata de um corpo (ou parte dele) quando nos aproximamos da imagem e vemos os olhos vivos que nos controlam.
Neste projeto, Ção Pestana dá continuidade às propostas de reflexão que têm estado no cerne do seu trabalho. No entanto, estas propostas surgem-nos mais amadurecidas, mais solidificadas, com uma força que parece residir na sua capacidade de nos desassossegar.
Raquel Guerra
Dezembro de 2018